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domingo, 25 de janeiro de 2015

RETRATOS DA EDUCAÇÃO NO BRASIL: TORTURA E CONFISSÃO FALSA, REGISTRO DE OCORRÊNCIA E SÍNDROME DE BOURNOT





Um dos aspectos da Sociedade Democrática é dar a uma pessoa acusada de um ato ilícito o direito de ampla defesa.
Há dez anos convivo com professores, em situação trabalhista e em outros dezoito anos, convivo com professores na situação de aprendiz.
Percebi em todos, em maior ou menor grau, o sentimento utópico de modificar uma sociedade que discrimina e marginaliza, sendo o aparelho reprodutor da Hegemonia dominante, segundo Bordieu e Passeron (Stivall, p.12003, 2008).
Senti neles o desejo de ensinar, algum compromisso com a ação educativa, em contraponto a uma constante desvalorização.
Um efeito angustiante de um retrato da Educação no Brasil é o professor ser obrigado a produzir provas contra si mesmo. Situações adversas com os representantes da Hierarquia ou com a comunidade escolar, em muitas vezes, eles e elas  são tirados da sua sala de aula, interrompendo a mesma, deixando seus alunos com agentes escolares e totalmente desautorizados, em meios a risinhos de alunos, “vão pra Diretoria”.
Ou então, quando não tem agentes escolares, são chamados na hora do seu intervalo, aqueles preciosos vinte minutos que já nem são deles mais.
Ali chegando, na presença da Coordenadora, da Diretora e da Supervisora, ouve silencioso, um relato sobre alguma situação onde ele não foi profissional, ele não foi suficiente, meia verdades ou mentiras inteiras.
A angústia e o cansaço tomam conta. Não, não foi desse jeito, eu não fiz isso, eu gritei para me fazer ouvir, porque a classe estava muito barulhenta, e tenta justificar.
Então , a “superiora hierárquica” revestida do seu poder de julgar, brincando de ser Deus, escreve na ata os fatos relatados como se o professor ou a professora não tivesse seu direito a ampla defesa, tentado justificar ou impedir que mentiras ou meias verdades sejam  lavradas em seu nome.
Nesse momento em diante, fazendo força para não chorar (mulheres) ou perder a paciência de vez, e fazer um ato gravíssimo como uma agressão física, (homens) tomado por um cansaço infindável, assina qualquer coisa para se ver livre daquele ambiente de tortura, e é obrigado a assinar, sob ameaça de que outros profissionais da escola assinem como testemunhas.
Então a “ocorrência” é lavrada e o professor faminto, sem ir ao banheiro, mal interpretado volta para sua sala de aula, encarar a realidade , olhando para seus alunos que se sentem ou penalizados ou vitoriosos (depende quem está envolvido),  porque agora, nesse tempo de inversão de valores, é o professor que “vai para diretoria” assinar ocorrência, e tenta sem sucesso, continuar sua aula, em meio a um barulho infernal, porque no fundo, quem sabe, (ironicamente),  ele é um péssimo professor e nem tem controle de sala.
A Psicologia talvez dê conta de explicar tal drama:
Um sujeito , no seu ambiente de trabalho, desmoralizado, que é chamado na hora da sua aula ou na hora de seu intervalo, na frente de seus alunos, para ser pressionado e torturado psicologicamente para assumir todo o mal da escola, porque sempre é culpado de tudo, e assinar ocorrência como um bandido.
Desumano, totalmente desumano.
O que tenho percebido enquanto ator social ou observador de todos esses embates e dilemas morais, é que para a evolução da Educação como Ciência ou para preservar a saúde mental de cada docente é que se deve imaginar outra estratégia para resolver esses conflitos com o professor.
Observei ano passado, salvo em rara ocasião, uma metodologia diferente para tratar desses conflitos. O diálogo compartilhado com os envolvidos, observação e intervenção sem precisar o registro escrito e a distribuição correta das responsabilidades de cada setor.
Professores produziram melhor, trabalharam em regime de parceria e cooperação, como equipe, sem sobrecarga e na sala dos professores partilha de idéias, ainda que com pontos convergentes ou divergentes para chegar ao consenso.
Infelizmente, poucas gestoras tem essa maturidade e segurança. Confiar em seus professores, entregar a eles o domínio da sua sala, exigir que tenham responsabilidade e assumir o seu papel de parceira mais experiente.
O papel do gestor também é complicado. Essa hierarquia tirânica de controle aversivo total faz com que situações que não tenham registro escrito cheguem com outras nuances as suas superioras hierárquicas e são acusadas de não terem tomado providências, registrando o que ocorreu.
Mas para isso, gestoras devem ter controle sobre suas decisões e não devem ficar omissas , resolvendo por meio de diálogos e responsabilidades compartilhadas, ouvindo e respeitando o docente.
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Começando a mudar o nome dessas intervenções. Atualmente se chamam ocorrências. Ocorrência é algo que lembra ocorrência policial e é fundo de poço mesmo, o retrato do professor marginal, que precisa ser controlado, vigiado e punido. Sociedade de controle, vigiar e punir, Foucalt.
Não se deve obrigar um profissional de ensino a produzir provas contra si mesmo. As atas devem ter outra função social.
Avaliar professores é parte de um processo pedagógico, mas o mal estar docente é estar sempre debaixo dessa aura de desconfiança.
Ao invés de culpabilizar o professor, (bem mais fácil), aprendamos a dividir responsabilidades, a delegar tarefas a todos os funcionários da escola e acima de tudo, respeitar o horário de intervalo de cada professor.
Eu mesma e várias professoras que trabalharam comigo, ou até mesmo meus ex-professores foram  avisados para que na hora do intervalo, passarem  na Diretoria.
Ali, sem ter se alimentado, sem ter ido ao toalete, exaurido pela aula, consumido pela indisciplina de alunos, ouve somente, uma situação que as vezes, nem ele mesmo sabia que tinha acontecido ou chegado aquela proporção: uma mentira de aluno, uma fofoca de funcionário ou situações mal interpretadas.
Acredito que o Psicólogo escolar seria um excelente mediador para solucionar esses conflitos e balizar todas essas intervenções.
Essas situações afetam diretamente toda a equipe escolar , mas acaba estourando em cima do professor: manda quem pode, obedece quem tem juízo.
SÍNDROME DE BOURNOT
Bournot é uma palavra sem tradução literal que quer dizer burn: queima e out: exterior. O desgaste do profissional docente danifica seus  aspectos físicos e emocionais , e ele vai perdendo condições de reagir favoravelmente as pressões do ambiente de trabalho.
Qualquer estímulo de controle aversivo é recebido por ele como uma ameaça a sua estrutura fragilizada e suas reações são cada vez mais prejudiciais a ele mesmo e ao grupo.
Os principais sintomas são: fadiga, cansaço constante, distúrbios do sono, dores musculares e de cabeça, irritabilidade, alterações de humor e de memória, dificuldade de concentração, falta de apetite, depressão e perda de iniciativa.
Essa combinação explosiva pode levar ao alcoolismo, ao uso de drogas e ao suicídio.
Professores com síndrome de Burnout ficam arredios, isolados, irônicos, cínicos e tem baixa produtividade.
A doença não vai embora sozinha, requer tratamento que pode ser psicológico ou psiquiátrico, ou a utilização de uma metodologia adequada para que o professor se sinta valorizado  e respeitado.











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