O que é o amor?- perguntava ele para os seus botões,
querendo entender aquela planta estranha que se agarrava as paredes do seu
coração se alimentando de nervos, sangue e músculos.
Cada vez que pensava nela, a arritmia cardíaca mostrava que
não era tão novo assim. E ao pensar, e que por pensar que já tinha vivido tudo o que
podia viver e sentido tudo o que podia sentir, esse estranhamento que ela
colocava nele, essa incompletude que agora começara a sentir, era como um
sentimento adolescente e negava-o dizendo que era a carência das noites do
inverno, em noites que acordava sozinho, urgente em suas vontades naturais e
sentindo uma ausência dela ali,em lugares que nunca tinha estado, implorava por
misericórdia para o deus desconhecido no qual ela acreditava tanto.
A silhueta dela esvanecia-se em sua mente, o cacho de seus
cabelos que ela escondia atrás da orelha, e o seu colo, ele derretendo-se ali,
naquele cheiro bom de pele nua, feminina, há quanto que não sentia tal
intensidade e um golpe na boca do estômago por saber que era só o seu
pensamento, era a força da sua paixão trazendo-a para os seus braços e
inaugurando um novo tempo para ele, que tinha fundido a vida e a morte e seus
significados dentro do milimétrico campo da sua ciência racionalizada e fria,
vazia, azeda como um vinho de má qualidade.Sem paixão.
Uma das coisas que incomodava nela, ele, ateu convicto, era
a sua fé naquela fantasia ocidentalizada, construída por ardis políticos e
alimentado pela demência das multidões e do inconsciente coletivo que fabricara
um deus a sua imagem e semelhança para substituir o pai e para se proteger do
vazio e do frio, do caos da conclusão tardia que tudo era matéria e produto da
mente, a priori e a posteriori,e apesar de ser uma espécie tão formidável,que
fabrica uma territorialidade, fenecia como uma flor ordinária na grama do
jardim.
Já não concebia a vida sem ela. E o amor, ou aquele desconforto
físico e psíquico, aquela desordem mental causada pelo descompasso dos
hormônios e dos feronômios, era apenas uma etapa que ele, certamente, venceria.
O tempo passava impiedoso, e duas almas suspensas, esperando
o fim ou o recomeço, mas o começo de um novo fim.
Já não era confortável, posto que corações fossem
bombardeados sem sequência do ímpeto da circulação apressada, uma dor esquisita
que não chegava a ser física, a esperança desesperançada do encontro de corpos,
ansiosos pela fusão, mentes que não se concentravam em tarefas que exigiria
absorção, sem apetite pelo alimento, ou
uma voracidade desmedida que acumulava adiposidades na linha da cintura,
borboletas esvoaçando no estômago, pernas cambiantes, músicas saudosistas,
leituras sem sentido, a geografia do corpo infestada por essa necessidade , e a
vida um inferno.
Queimaram navios, destruíram pontes, chutaram cachorros, descabelaram-se
em vão e amaram-se,amaram-se, mesmo negando o amor, negando a completude que o
relógio do tempo exigia que fosse feita.
Leituras verticalizadas e horizontalizadas e raros momentos
em que se encontraram sentiam uma alegria estranha e o amor da completude, como ser um só, um lar, uma fé, uma lei, um
rei. O amor rei domínio do coração menino
que ele nem sabia que estava ali.
E ela o sentira o tempo todo.
Sabia das coisas. Sabia que eram Abelardo e Heloísa, Orfeu e
Eurídice, Tristão e Isolda, Sansão e Dalila, Isabel e Álvaro, leituras
shakesperianas.Eram duas crianças que nunca tinham sentido aquilo e estavam
assombradas pela potência do brinquedo novo.
Encontravam-se sem fim pelas vidas que se sucediam e
harmonizavam. Amor de almas.
Sabia quando ele a olhara, adivinhando com sua mente
evoluída o embaraço de seus sentimentos,
e sabia que ele captava a veia no pescoço, pulsando,as mãos nervosas, no colo,
procurando uma forma de disfarçar.
Sabia que eram um para o outro mais do que tudo na vida.
Sabia que a inexorabilidade de certos destinos converge como
um rio, numa direção precisa, até consumar a última nota da música do destino.
Aguardava.
E assim, os nossos dois personagens, ficaram congelados num
paix de deux, embora ele não goste de ballet, mas eu determino a forma como os
personagens poderão ser movidos nesse jogo.
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