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terça-feira, 3 de julho de 2012

Amor de almas


O que é o amor?- perguntava ele para os seus botões, querendo entender aquela planta estranha que se agarrava as paredes do seu coração se alimentando de nervos, sangue e músculos.
Cada vez que pensava nela, a arritmia cardíaca mostrava que não era tão novo assim. E ao pensar, e  que por pensar que já tinha vivido tudo o que podia viver e sentido tudo o que podia sentir, esse estranhamento que ela colocava nele, essa incompletude que agora começara a sentir, era como um sentimento adolescente e negava-o dizendo que era a carência das noites do inverno, em noites que acordava sozinho, urgente em suas vontades naturais e sentindo uma ausência dela ali,em lugares que nunca tinha estado, implorava por misericórdia para o deus desconhecido no qual ela acreditava tanto.
A silhueta dela esvanecia-se em sua mente, o cacho de seus cabelos que ela escondia atrás da orelha, e o seu colo, ele derretendo-se ali, naquele cheiro bom de pele nua, feminina, há quanto que não sentia tal intensidade e um golpe na boca do estômago por saber que era só o seu pensamento, era a força da sua paixão trazendo-a para os seus braços e inaugurando um novo tempo para ele, que tinha fundido a vida e a morte e seus significados dentro do milimétrico campo da sua ciência racionalizada e fria, vazia, azeda como um vinho de má qualidade.Sem paixão.
Uma das coisas que incomodava nela, ele, ateu convicto, era a sua fé naquela fantasia ocidentalizada, construída por ardis políticos e alimentado pela demência das multidões e do inconsciente coletivo que fabricara um deus a sua imagem e semelhança para substituir o pai e para se proteger do vazio e do frio, do caos da conclusão tardia que tudo era matéria e produto da mente, a priori e a posteriori,e apesar de ser uma espécie tão formidável,que fabrica uma territorialidade, fenecia como uma flor ordinária na grama do jardim.
Já não concebia a vida sem ela. E o amor, ou aquele desconforto físico e psíquico, aquela desordem mental causada pelo descompasso dos hormônios e dos feronômios, era apenas uma etapa que ele, certamente, venceria.
O tempo passava impiedoso, e duas almas suspensas, esperando o fim ou o recomeço, mas o começo de um novo fim.
Já não era confortável, posto que corações fossem bombardeados sem sequência do ímpeto da circulação apressada, uma dor esquisita que não chegava a ser física, a esperança desesperançada do encontro de corpos, ansiosos pela fusão, mentes que não se concentravam em tarefas que exigiria absorção, sem apetite pelo alimento, ou  uma voracidade desmedida que acumulava adiposidades na linha da cintura, borboletas esvoaçando no estômago, pernas cambiantes, músicas saudosistas, leituras sem sentido, a geografia do corpo infestada por essa necessidade , e a vida um inferno.
Queimaram navios, destruíram pontes, chutaram cachorros, descabelaram-se em vão e amaram-se,amaram-se, mesmo negando o amor, negando a completude que o relógio do tempo exigia que fosse feita.
Leituras verticalizadas e horizontalizadas e raros momentos em que se encontraram sentiam uma alegria estranha e o amor da completude,  como ser um só, um lar, uma fé, uma lei, um rei. O amor rei domínio do coração menino  que ele nem sabia que estava ali.
E ela o sentira o tempo todo.
Sabia das coisas. Sabia que eram Abelardo e Heloísa, Orfeu e Eurídice, Tristão e Isolda, Sansão e Dalila, Isabel e Álvaro, leituras shakesperianas.Eram duas crianças que nunca tinham sentido aquilo e estavam assombradas pela potência do brinquedo novo.
Encontravam-se sem fim pelas vidas que se sucediam e harmonizavam. Amor de almas.
Sabia quando ele a olhara, adivinhando com sua mente evoluída o embaraço de seus  sentimentos, e sabia que ele captava a veia no pescoço, pulsando,as mãos nervosas, no colo, procurando uma forma de disfarçar.
Sabia que eram um para o outro mais do que tudo na vida.
Sabia que a inexorabilidade de certos destinos converge como um rio, numa direção precisa, até consumar a última nota da música do destino.
Aguardava.
E assim, os nossos dois personagens, ficaram congelados num paix de deux, embora ele não goste de ballet, mas eu determino a forma como os personagens poderão ser movidos nesse jogo.







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