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sábado, 22 de maio de 2010

Crônicas do cotidiano paulista

O PEDRADOR




“ Saudade é a luz que sobra da pessoa” ...

Esse verso martelava a sua cabeça e as têmporas estavam sensíveis.

Já não podia prosseguir naquela ânsia de redescobrir o amor.

Andara por todo o Ibirapuera, olhando cada face, cada rosto feminino que passara.

As mulheres tinham em si a pressa da vida, de todos os detalhes das suas futilidades ou das suas rotinas.

Como ela, que partira. Partira em uma manhã de Maio, o clima frio e as folhas caindo das árvores como anunciando o outono. Partira, com os seus cabelos dançando em volta dela, o seu corpo franzino como o de uma menina, a sua pressa de viver.

Soubera o tempo todo que a solicitude pela vida que acalentava e que a fazia rir de seu azedume, de suas palavras ásperas em relação ao pessoal ao escritório, eram apenas as emoções de uma moça que soubera viver a vida em seu lado suave.

Quisera esse casamento, como quisera terminar a faculdade de Arquitetura, tão concentrada nos projetos com desenhos que ele mesmo não desvendara.

Uma mente brilhante.

E na rotina com esse homem mais velho, com outras vivências, acrescentara luz e som para a vida dele.

Dera-lhe a possibilidade de crer e de amar a vida, a promessa do fruto, no seu ventre perfeito e redondo.

Dera-lhe o sal da Terra. E repentinamente, com seu corpo frouxo como o de uma boneca, o seu pulso caindo por cima da mesa branca e mármore, levara a promessa, deixando-o vazio, vazio de si mesmo, procurando-a no perfume de alfazema dos lençóis, nas cartas românticas que escrevera a ele, como se soubesse que um dia iria partir, pois adorava escrever cartas.

Nas suas roupas azuis e creme, cuidadosamente dobradas ou penduradas para preservar a ordem do mundo, a beleza simétrica das coisas do mundo que ela cultivava e acreditava verdadeiramente existir.



Os olhos brilhantes, ela anunciara com felicidade, a notícia esperada por tanto tempo: estava grávida.

Depois, a viagem e na volta, a notícia em um telefonema curto e áspero.

Perdera a direção e o carro capotou numa curva, chocando-se no poste.

O que dela restara era a lápide. A lápide, impessoal e fria onde em letras douradas estava escrito o doce nome que o revivera:Eduarda.

Porque a vida, ainda que encarada por esse sentido prático e objetivo, pragmático, que ele costumava adotar, ainda trazia em si a capacidade de desiludir aqueles que nem esperavam nada dela.

E passado o período de luto, onde ele desejara ardentemente partir para o mundo que a tragara, ali estava ele, novamente, vagando pelo Parque, se sentindo um vagabundo, pois o que ele procurava, não iria encontra jamais: a luz dos olhos dela, a perfeição arredondada de sue ventre, a sua voz suave a chamá-lo de amor.

Mas ele deveria continuar. Estava ali para continuar a viver, ainda que a vida continuasse a lhe escapar entre os dedos.

E, subitamente a viu.

Sorriu-lhe, acenou.

Os olhos cor de mel, em um rosto oval, o corpo magro em tudo lembrara o de Eduarda.

Estava sentada em sua bicicleta, os quadris arredondados firmemente apoiados e a boca entreaberta, revelando dentes perfeitos.

Estava sorrindo para ele, como se o conhecesse, e as mãozinhas delicadas seguravam um ramalhete de violetas.

Absorveu-a num olhar.

Cumprimentou-a como se a conhecesse.

E os seus olhos famintos fotografavam cada detalhe de seu corpo, que em breve, seria seu;

Um sorriso triunfal acendeu-lhe o rosto, luminoso, cheio de júbilo.

A encontrara.











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