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domingo, 9 de agosto de 2009

A arte de escovar os dentes


ZÉ MILTON E A ARTE DE ESCOVAR OS DENTES

Embora eu esteja cansada desse papel de filha de família paupérrima que conseguiu a formação universitária nos bancos de uma Universidade pública, graças ao incentivo dos Mestres e da comunidade de boa vontade, não consigo esquecer o Zé Milton.
Zé Milton dava uma optativa de Artes no curso de Habilitação do Magistério que era muito divertida e instrutiva.
Anteriormente, deu uma optativa de Jogos Lúdicos na Pedagogia.
Ele era muito sensível e me deu um apoio silencioso que talvez nem percebesse.
Um dia, no entanto, aconteceu algo muito desagradável e que lembro com certo humor.
Naquele dia, como marido desempregado, não tinha dinheiro para comprar o pão nem o café.
Eu não trabalhava, pois tinha filhos pequenos e não queria freqüentar uma Universidade trabalhando como doméstica.
Já tinha sentido o gostinho de uma profissão diferente, como inspetora de alunos.
Dependia exclusivamente do esposo.
Chegando lá na Universidade, eu senti que o fígado estava revoltado e o estômago vazio bradava por alimentação.
A boca amarga me impedia de desfrutar o prazer do Curso que estava sendo ministrado aquele dia.
Ele estava falando de brincadeiras na vida na vida da criança e como era importante para a criança o lúdico, o faz de contas, a integração das dinâmicas de grupo.
Então chegou o momento das professoras fazerem a dinâmica que seria hipoteticamente ensinado as crianças.
Era a brincadeira dançada do “ Bimborão da cruz”, que obriga os participantes a darem os braços formando o túnel para as outras pessoas passarem embaixo dos braços.
As pessoas iriam ficar muito próximas e cantando, liberariam seus bafos umas sobre as outras.
Fiquei muito angustiada, pois eu não sabia se o meu hálito estava católico.
A pessoa que iria formar o trenzinho comigo era justamente o Zé Milton.
Até hoje eu acredito que o Zé Milton acha que eu não escovo os dentes.
Sim, eu escovo os dentes, mas quando eu saio de casa, as vezes, não posso comer,seja porque me falta o alimento ou porque não dá tempo de comer.
Então o que posso dizer é que eu não sou fruto de uma família sem noção de higiene.
E que pobreza não significa sujeira.
Aprendi a importância de escovar os dentes com a minha família, mas a arte de driblar o preconceito e a resistência de pessoas nazistas ainda não.
Estou lutando arduamente por isso.
Nessa tela da vida onde deve caber todos.
A função do Educador é ensinar a seus alunos a escovar os dentes.
Mas deve também dar a ele acesso a formas elevadas do saber e do conhecimento, pois essa é uma beleza que eleva alma.
Porque o corpo, escovado ou não vai ficar aqui.
Mas a alma tem outro destino.
É a última que ficará.
Obrigada, Zé Milton.






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