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domingo, 16 de dezembro de 2012

A história de um amor que estava lá


A história de um amor que estava lá




Ele era magrinho. Suas mãos eram a parte mais expressiva de seu corpo. Todas as vezes que ela olhava para elas, sentia o desejo de estar ali e de nunca mais sair de perto do seu coração.
O coração era outra coisa que lhe chamava a atenção. Muita atenção e solicitude até. Sabia ouvir as pessoas. Todas elas contavam a ele segredos que nunca contariam para ninguém, nem mesmo para a mãe.
E foram se envolvendo. Falavam de coisas. Banais, profundas, intensas.
Falavam do amor que sentiam pelas crianças, as crianças abandonadas, maltratadas, que nunca conheceram o amor de um abraço, desses quentes, aconchegantes, intensificadores e transmudadores de vida.
A carência dessas crianças era refletida em seus corações, em suas mentes, e como anjos guardiães de vidas que se perdiam na voracidade do mundo cão, a missão de ambos, embora não soubessem, era a de proteger essas crianças. Juntos.
Estudavam juntos e haviam escolhido o mesmo Curso.
Quando se conheceram melhor, nunca mais saíram de perto um do outro.
Ele era popular, com um humor e uma ironia fina, sarcástica, inteligente que as pessoas adoravam. E ensinava muito bem.
Ela era recatada, tímida, com um sonho secreto, nunca realizado de trabalhar no Teatro.
E ensinava mal.
Mas acreditava que as suas sardas e seus óculos fundo de garrafa nunca seriam atrativos suficientes para o glamour artístico.
E se resumiu em ficar com ele, cuidar dele, passar o café para ele todas as manhãs e esperar que ele ficasse trancado em seu quarto, produzindo uma tese que nunca acabava.
Os estudantes de outras disciplinas gostavam dele também, era como se fosse um Mestre ainda na qualidade de aluno como eles. Era um deles.
Tiveram filhos e filhas. Biológicos. Ela era uma fonte e suas crias era a nascente do amor dos dois, imagem e semelhança de seus mundos perfeitos e amorosos.
Ela escolheu ficar com as crianças. Parou de estudar. Sacrificou-se por ele.
O seu desejo de mãe, a sua característica cuidadora, de proteger o mundo desamparado com seu corpo frágil e redondo, de reerguer as pessoas, de curar, de dar alento, era uma mãezinha amorosa e intelectual.
Ele encontrara nela um código de mãe, e não era isso? Os homens não procuram em silencio e em segredo a própria mãe nas mulheres que se acasalam e casam e juntam, sem falar para ninguém que o mito do Édipo, nunca admitido ou reconhecido era um amor que estava ali?
Mas chegou um momento que os olhares, os sorrisos, as solicitações do séquito feminino começou-o  a distanciar dela.
E ela sabia que o estava perdendo, pois andava sisudo e não se interessava mais pelas crianças, não queria falar mais desse assunto, que estava cansado, como o mundo se resumisse somente em crianças e tinha o desejo voraz de ter uma mulher e não uma mãe que vestia a fantasia de mulher de vez em quando, só para satisfazê-lo.
E o amor, que é uma coisa perigosa, o amor ágape dela, de cuidados e proteção, que era no começo a sua maior virtude ocasionou a ruptura no coração dele, embebido pelo poder da glória de suas conquistas, de seu reconhecimento no mundo científico, e era como se ele estivesse progredido e evoluído e ela ali, mulherzinha, mãezinha, cuidadora...
O amor Eros dentro dele estava mais forte, por que ele queria consumir aquela energia viril de sucesso e dilui-la no colo de uma mulher que estivesse tão solícita quanto ele, e a sua parte, a sua metade da laranja estava preocupada com fraldas, mamadeiras, papinhas, e outras coisas que eram clichês e banais.
Não via possibilidades eróticas em sua mulher.
E atraiu mulheres que estavam na mesma sintonia dele. Sem culpas, pois não havia culpa nesse desejo dele se consumar o próprio ser.
E a traiu. Ela não suportou a dor desse amor partido, dessa vilania da parte dele, onde estava aquele virtuose que a atraiu e depois a traiu?
Ele lançou-se numa profusão de pernas, seios, cabelos, lábios, olhos, perfumes, desejos, gostos, amores bissexuais, músicas profanas, haves, simpósios, palestras, eventos, brilhando e refletindo sua estrela na fronte de seus admiradores.
E o amor por ela ainda estava lá, oculto pelas vaidades mundanas.
Ela lançou-se numa profusão de fraldas, louças sujas, casas bagunçadas, almoços enfadonhos de domingo, com as amigas invejosas “lamentando” a sua má sorte, solidão, compras de mercado, bagunça de crianças, notas vermelhas no boletim pela falta do pai, cabelos pintados de um vermelho suspeito, empregadas que não vinham, sessão da tarde, maledicências de uma mulher traída e abandonada...
E o amor por ele ainda estava lá, maldito pela sua solidão e pelo seu destempero, a força de Eros revisitando seu corpo solitário sem nada para consumar.
Cansada de ser mãe? De se diluir e de se perder a sombra de árvores que não reconheceria o valor do adubo para que crescessem.
Então , tudo acabou para ele. Cansou-se. Haves, baladas, amores, blá blá blá bla blá.
Queria o colo dela. Como uma criança que está cansada de brincar, com o rosto sujo de chantilly.
E ela aceitou-o de volta. Porque o amor nunca morre.
Ainda que eu falasse a língua dos homens sem amor nada seria. O verdadeiro amor nunca morre... Era isso que ela lia no livro sagrado.
E as crianças, vigorosas e crescidas tinham os olhinhos brilhando porque papai voltou para mamãe.

 Hoje é uma família feliz. Ela sossegada, gordinha, batendo o bolo de chocolate com nozes, bebericando uma cervejinha , levando água para ele no sofá.
Ele, arisco como sempre, com uma das pernas jogadas por cima do sofá, berrando a derrota do seu time, com a camisa.
Com a televisão desligada, fim de jogo, na cozinha com ela e com as crianças, correndo em volta da mesa, beliscando o bolo recém-saído do forno e roubando uma cereja, como uma criança.
E juntos dormem, abraçados, com pijamas de flanela, aguardando ansiosos a noite de 21 de Dezembro de 2012, onde fizeram um pacto: ficarem todos juntos em casa para ver a manhã de 22 de Dezembro superando as rupturas , unidos pela força de um amor que sempre esteve ali...













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