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sábado, 7 de maio de 2011

Colar de pérolas

Colar de pérolas




Do talento ao tesão



No caderno Cotidiano do Jornal Folha de São Paulo, destaca-se a frase do nobre deputado Gabriel Chalita que dispara:

__Eu teria o maior tesão para governar a cidade de São Paulo.

Para ajuntar mais uma pérola nesse colar, imagino que o brilhante político deve ter um traço de sadismo.

Governar São Paulo, aquela cidade onde a dor e a alegria vivem juntas como irmãs gêmeas. Imaginar que sentirá prazer em governá-la.

Bem, na minha simplicidade, não vejo com clareza os deleites de ser um governador paulista: bons vinhos, bons carros, criados, lindíssimas mulheres ou homens, de acordo com o gosto do freguês.

E a dor da Cracolândia, das crianças magérrimas de joelhos ralados, pedindo comida nas padarias e lanchonetes, os moradores de rua, criaturas invisíveis...(?)

As enchentes com os bueiros entupidos, o cheiro podre do Rio Tietê , a metrópole se agigantando, devorando vidas e construindo a sua história.

Talvez eu não goste de São Paulo porque eu só vi a sua pobre parte.

Perdi um casal de irmãos, o Irineu, que morreu com seis meses de pneumonia e a Adriana que morreu por ter passado a hora de nascer.

Vítimas do descaso e da indiferença do Sistema de Saúde.

Lembro-me como se fosse hoje: esperava que a minha irmã viesse, nos braços da minha mãe, a Adriana, que iria tomar o meu lugar de caçula das mulheres, mas eu já a amava tanto e iria ensinar a ela as primeiras letras que eu já aprendia na barra da saia de mamãe.

Mas ela não veio e a minha mãe veio sofrida e chorosa, ninguém quis me falar porque a Adriana não tinha nascido e eu só descobri depois. A dor que eu vi nos olhos da minha mãe se juntou ao meu pranto contido.

Anos mais tarde, uma outra Adriana da APEOESP, fingiu que me defendia da demissão de abandono de cargo no meu emprego do Estado, impetrada pelo mais burocrata secretário da Educação: Paulo Renato.

Outra injustiça;

Tenho cismado cá comigo como eu, pertencente a uma turma de dez, consegui lutar contra a maré e me formar Professora.

Se eu tivesse morrido, como a Adriana, jamais iria sentir a vida em sua plenitude.

E a revolta vem por saber que a consciência dos políticos ficam embotadas e eles não percebem a dor e o desamor do poder público em relação a famílias pobres, de crianças que morrem antes de nascer.

Desejo ao nobre deputado que tenha bastante vontade em governar São Paulo.

E que lance esse olhar de caridade para as crianças pobres e famintas, pois ele também sabe a dor de perder um irmão, um de seus irmãos morreu em seus braços.

Um jovem talentoso que pode fazer muita coisa por essas crianças.

Desde que seu coração seja franco e honesto.

E eu, me libertando da dor da vida, encontro na morte uma esperança: a de ressurreição.

Encontrarei Adriana, de vestido branco e sorriso tímido nas moradas eternas.
E assim, entre tesões e talentos, a vida vai se tecendo nessa teia tênue.

Tecendo a Manhã



1.

Um galo sozinho não tece uma manhã:


ele precisará sempre de outros galos.


De um que apanhe esse grito que ele


e o lance a outro; de um outro galo


que apanhe o grito de um galo antes


e o lance a outro; e de outros galos


que com muitos outros galos se cruzem


os fios de sol de seus gritos de galo,


para que a manhã, desde uma teia tênue,


se vá tecendo, entre todos os galos.






2.


E se encorpando em tela, entre todos,


se erguendo tenda, onde entrem todos,


se entretendendo para todos, no toldo


(a manhã) que plana livre de armação.


A manhã, toldo de um tecido tão aéreo


que, tecido, se eleva por si: luz balão.


João Cabral de Melo Neto








































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