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sábado, 12 de dezembro de 2009

Material de reflexão sobre o Sistema de ciclos

Aluno analfabeto põe avaliação em xeque




A progressão continuada, sistema de ensino adotado em 98 pelo Estado de São Paulo, permitiu que alguns alunos terminassem os primeiros anos de estudo sem saber ler e escrever. Em razão disso, pais de alunos têm pedido que seus filhos sejam reprovados. A Secretaria de Estado da Educação não tem estimativa de quantos alunos estão nessa situação.
São casos como o da recepcionista Maria Cristina, mãe de D., 12. Ela pediu que D. não fosse para a quinta série, apesar de já ter cursado a quarta série duas vezes. Isso aconteceu em janeiro, no município de Votorantim (a 108 km de São Paulo), na Escola Municipal Abimael Carlos de Campos.
A mãe apresentou um motivo bem simples para que seu pedido fosse atendido: o filho, mesmo depois de cinco anos na escola, não sabia ler nem escrever. A cidade adotou o regime de progressão continuada em 1998, em conjunto com o Estado.
O menino, segundo a mãe, apresentava dificuldades de aprendizagem desde que começou a estudar. Mas, afirma ela, D. nunca recebeu apoio médico ou psicológico na escola.
D. acabou sendo reprovado em 2000, quando se submeteu pela primeira vez a uma avaliação, já na quarta série. No ano seguinte, segundo a mãe, o menino continuava na mesma situação: sem saber ler ou escrever. Mesmo assim, a aprovação para a quinta série foi automática -pelas regras atuais, um aluno só pode repetir uma determinada série uma única vez. A pedido e insistência da mãe, ele foi novamente matriculado na quarta série.
Segundo a secretária municipal da Educação de Votorantim, Neuza Aparecida Móra, além de D., foram detectadas outras 53 crianças da quarta série (de um total de 1.827) que não tinham condições de passar para o ciclo seguinte. Como já haviam repetido um ano durante o ciclo, mesmo com deficiências, matricularam-se na quinta série.
Em Ribeirão Preto (a 314 km de São Paulo), um grupo de 25 mães procurou o Conselho Municipal de Educação para reclamar que os filhos também não haviam sido alfabetizados. Segundo Walter Colombini, presidente do conselho, um desses alunos já terminou a oitava série.
L., 13, que está na sexta série, repetiu a quarta na Escola Estadual Cordelia Ribeiro Ragoso, em Bonfim Paulista (distrito de Ribeirão Preto). O menino aprendeu a copiar letras, mas lê como um aluno da primeira série, disse a mãe à Folha.
A situação também se repete na capital, onde há casos como o de M., 11, que chegou a repetir a segunda série, está no último ano do ciclo 1 e ainda tem dificuldades para ler e escrever. A menina nunca teve aula de reforço na escola.
O regime de progressão continuada é recomendado pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (lei 9.394, de 1996), no artigo 32. Nesse método, só há reprovação nos anos de final de ciclo (quarta e oitava séries). Nos outros anos, os conteúdos não absorvidos são transmitidos em aulas de reforço no período letivo seguinte.
O ciclo 1 abrange da primeira à quarta série do ensino fundamental; o segundo vai da quinta à oitava série. No ensino médio, antigo segundo grau, não há ciclo.
O Ministério Público abriu, em 21 de novembro de 2001, um inquérito civil para investigar a legalidade do Saresp (Sistema de Avaliação Escolar do Estado de São Paulo). Quando tomou conhecimento do modelo de ensino, o promotor Vidal Serrano Junior resolveu "expandir" o procedimento e abranger "a progressão continuada como um todo".
A expectativa é que seja feita uma ação civil que solicite à Secretaria da Educação mudanças no modo de avaliação.
A tese do promotor Serrano Junior é que cada escola, em integração com a comunidade de pais de alunos, pode elaborar a forma de avaliação a ser adotada.
"Em princípio, a idéia é fortalecer a ligação entre a escola e a comunidade, o que é recomendado pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação", afirmou o promotor.
A progressão continuada está "refinando" o processo de exclusão social no Estado, afirma a diretora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, Selma Garrido Pimenta.
Ela questiona o fato de que, mesmo recomendado pela LDB, o modelo de progressão por ciclos tenha sido adotado apenas na rede pública. A seu ver, isso joga para o vestibular a efetiva comparação entre as metodologias de ensino das redes pública e particular.
Outro item apontado por Selma é a forma de implementação do sistema no Estado. Não houve, de acordo com a educadora, "significativas alterações" na forma de a escola se organizar e funcionar. "O resultado é que, na verdade, os alunos estão sendo aprovados automaticamente, sem que a escola tenha recebido as condições para entrar nessa nova sistemática. Houve um atropelo e uma falta de cuidado com esses aspectos."
Maria Isabel Noronha, presidente da Apeoesp (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial de São Paulo), concorda com Selma: o problema está na forma como o regime foi introduzido.
Antes da implantação, afirma, deveria haver mudanças nas condições estruturais das escolas, como a diminuição do número de alunos por sala de aula e o aumento do salário dos professores.
"O objetivo da progressão continuada é avaliar o aluno o tempo todo, mas, sem estrutura, os professores não conseguem fazer isso, e acaba virando uma aprovação automática", disse.



(Folha de S. Paulo)

Um comentário:

s.rodrigues disse...

Sobre as mudanças estruturais: todos sabem que não há, em geral, espaço físico para a diminuição do número de alunos por sala; quanto ao salário dos professores, em que o aumento vai afetar a situação? Isso mais ou menos equivale ao profissional confessar que não se esforça mais porque não ganha o suficiente para tanto esforço.
Penso que a solução, pela qual os professores deveriam se unir e exigir, é um auxiliar em sala. Os alunos são bastante "irrequietos"e o conteúdo não é absorvido muitas vezes porque ninguém ouve o que está sendo dito. Novas dinâmicas de ensino também deveriam ser tentadas, para despertar mais interesse nos alunos.
O que me choca mais é a aparente naturalidade que os professores demonstram em ter alunos que saem de seus cuidados analfabetos. Dá impressão que o problema é de outra pessoa, não deles.