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domingo, 22 de fevereiro de 2009

O sacríficio sobre uma ótica intelectualizada

O sacrifício como fundamento da cultura
Justificar a nutrição à base de carne sem, com isso, dever identificar-se com os animais carnívoros: este é o problema que, segundo Sabbatucci (1965), cada cultura colocou-se, para poder absorver essas importantes proteínas que trazem consigo, necessariamente, sua contribuição cultural e identitária. Tornando-se rito expiatório por excelência nos politeísmos antigos, o sacrifício, que envolve os deuses na ação humana, funda uma cultura. Eventualmente, como Sabbatucci evidencia no caso grego, este fundamento da condição humana pode ser rejeitado em bloco (mas sempre em uma relação dialética com aquela cultura) e, então, o vegetarianismo se constitui como rejeição da condição humana.
Outras culturas resolveram o problema reservando-se uma interdição alimentar em relação a determinados animais (Douglas, 1976: 57-74; Tambiah, 1995: 195-250) ou construindo uma equiparação entre (ou seria melhor dizer "trocando") ceifa e matança, fazendo da matança uma coleta. Sobretudo, se o animal é colhido em seu valor "outro" ou "sagrado", a caça se configura, por isso, como um sacrilégio (Lanternari, 1974: 469), "como apropriação não devida de alguma coisa que se coloca na dimensão do extra-humano" (Massenzio, 1994: 82). Nesse último caso, muitas vezes, a presa da caça é denotada pertencendo a uma figura sobre-humana: o "Senhor" ou, mais freqüentemente, a "Senhora dos animais" se configuram como proprietário(a) e garantidor(a) da realidade animal, e a essa entidade a presa capturada deve ser restituída, em forma de "oferta primicial" (Brelich, 1966: 45-6), espécie de contradádiva à qual não se pode fugir sem correr o risco de comprometer as relações com essa realidade animal.
As precauções dos caçadores durante a caça, isto é, a ritualização de tal operação tão fundamental e tão perigosa, ao mesmo tempo, para o homem; os rituais de purificação na volta à aldeia que, enquanto permitem romper as ligações estabelecidas com essa outra dimensão extra-humana (a da floresta), por outro lado têm o objetivo de repristinar as ligações sociais dentro da dimensão humana (o vilarejo) (Lot-Falck,1953: 170-218); a necessidade de recorrer, em determinadas ocasiões, ou em relação à morte de determinados animais, a ritos expiatórios: todos esses aspectos demonstram o quanto é percebida como perigosa essa incursão nesta esfera extra-humana específica e, em conseqüência, o quanto é importante a função intermediária e protetora do ritual que, unicamente, pode oferecer-se como instrumento cultural fundamentalmente apto a construir e administrar aquela relação ao mesmo tempo "sacrílega" e, contudo, tão fundamental para o homem.

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