Um dos aspectos da Sociedade Democrática é dar a uma pessoa
acusada de um ato ilícito o direito de ampla defesa.
Há dez anos convivo com professores, em situação trabalhista
e em outros dezoito anos, convivo com professores na situação de aprendiz.
Percebi em todos, em maior ou menor grau, o sentimento
utópico de modificar uma sociedade que discrimina e marginaliza, sendo o
aparelho reprodutor da Hegemonia dominante, segundo Bordieu e Passeron
(Stivall, p.12003, 2008).
Senti neles o desejo de ensinar, algum compromisso com a
ação educativa, em contraponto a uma constante desvalorização.
Um efeito angustiante de um retrato da Educação no Brasil
é o professor ser obrigado a produzir provas contra si mesmo. Situações
adversas com os representantes da Hierarquia ou com a comunidade escolar, em muitas
vezes, eles e elas são tirados da sua
sala de aula, interrompendo a mesma, deixando seus alunos com agentes escolares
e totalmente desautorizados, em meios a risinhos de alunos, “vão pra
Diretoria”.
Ou então, quando não tem agentes escolares, são chamados
na hora do seu intervalo, aqueles preciosos vinte minutos que já nem são deles mais.
Ali chegando, na presença da Coordenadora, da Diretora e
da Supervisora, ouve silencioso, um relato sobre alguma situação onde ele não
foi profissional, ele não foi suficiente, meia verdades ou mentiras inteiras.
A angústia e o cansaço tomam conta. Não, não foi desse
jeito, eu não fiz isso, eu gritei para me fazer ouvir, porque a classe estava
muito barulhenta, e tenta justificar.
Então , a “superiora hierárquica” revestida do seu poder
de julgar, brincando de ser Deus, escreve na ata os fatos relatados como se o
professor ou a professora não tivesse seu direito a ampla defesa, tentado
justificar ou impedir que mentiras ou meias verdades sejam lavradas em seu nome.
Nesse momento em diante, fazendo força para não chorar (mulheres)
ou perder a paciência de vez, e fazer um ato gravíssimo como uma agressão
física, (homens) tomado por um cansaço infindável, assina qualquer coisa para
se ver livre daquele ambiente de tortura, e é obrigado a assinar, sob ameaça de
que outros profissionais da escola assinem como testemunhas.
Então a “ocorrência” é lavrada e o professor faminto, sem
ir ao banheiro, mal interpretado volta para sua sala de aula, encarar a realidade , olhando para seus
alunos que se sentem ou penalizados ou vitoriosos (depende quem está
envolvido), porque agora, nesse tempo de
inversão de valores, é o professor que “vai para diretoria” assinar ocorrência,
e tenta sem sucesso, continuar sua aula, em meio a um barulho infernal, porque
no fundo, quem sabe, (ironicamente), ele
é um péssimo professor e nem tem controle de sala.
A Psicologia talvez dê conta de explicar tal drama:
Um sujeito , no seu ambiente de trabalho, desmoralizado,
que é chamado na hora da sua aula ou na hora de seu intervalo, na frente de
seus alunos, para ser pressionado e torturado psicologicamente para assumir
todo o mal da escola, porque sempre é culpado de tudo, e assinar ocorrência
como um bandido.
Desumano, totalmente desumano.
O que tenho percebido enquanto ator social ou observador
de todos esses embates e dilemas morais, é que para a evolução da Educação como
Ciência ou para preservar a saúde mental de cada docente é que se deve imaginar
outra estratégia para resolver esses conflitos com o professor.
Observei ano passado, salvo em rara ocasião, uma
metodologia diferente para tratar desses conflitos. O diálogo compartilhado com
os envolvidos, observação e intervenção sem precisar o registro escrito e a
distribuição correta das responsabilidades de cada setor.
Professores produziram melhor, trabalharam em regime de
parceria e cooperação, como equipe, sem sobrecarga e na sala dos professores
partilha de idéias, ainda que com pontos convergentes ou divergentes para
chegar ao consenso.
Infelizmente, poucas gestoras tem essa maturidade e
segurança. Confiar em seus professores, entregar a eles o domínio da sua sala,
exigir que tenham responsabilidade e assumir o seu papel de parceira mais
experiente.
O papel do gestor também é complicado. Essa hierarquia
tirânica de controle aversivo total faz com que situações que não tenham
registro escrito cheguem com outras nuances as suas superioras hierárquicas e
são acusadas de não terem tomado providências, registrando o que ocorreu.
Mas para isso, gestoras devem ter controle sobre suas
decisões e não devem ficar omissas , resolvendo por meio de diálogos e
responsabilidades compartilhadas, ouvindo e respeitando o docente.
...................................................................................................................................................
Começando a mudar o nome dessas intervenções. Atualmente
se chamam ocorrências. Ocorrência é algo que lembra ocorrência policial e é fundo
de poço mesmo, o retrato do professor marginal, que precisa ser controlado,
vigiado e punido. Sociedade de controle, vigiar e punir, Foucalt.
Não se deve obrigar um profissional de ensino a produzir
provas contra si mesmo. As atas devem ter outra função social.
Avaliar professores é parte de um processo pedagógico,
mas o mal estar docente é estar sempre debaixo dessa aura de desconfiança.
Ao invés de culpabilizar o professor, (bem mais fácil),
aprendamos a dividir responsabilidades, a delegar tarefas a todos os
funcionários da escola e acima de tudo, respeitar o horário de intervalo de
cada professor.
Eu mesma e várias professoras que trabalharam comigo, ou
até mesmo meus ex-professores foram avisados para que na hora do intervalo,
passarem na Diretoria.
Ali, sem ter se alimentado, sem ter ido ao toalete,
exaurido pela aula, consumido pela indisciplina de alunos, ouve somente, uma
situação que as vezes, nem ele mesmo sabia que tinha acontecido ou chegado
aquela proporção: uma mentira de aluno, uma fofoca de funcionário ou situações
mal interpretadas.
Acredito que o Psicólogo escolar seria um excelente
mediador para solucionar esses conflitos e balizar todas essas intervenções.
Essas situações afetam diretamente toda a equipe
escolar , mas acaba estourando em cima do professor: manda quem pode, obedece
quem tem juízo.
SÍNDROME DE BOURNOT
Bournot é uma palavra sem tradução literal que quer dizer
burn: queima e out: exterior. O desgaste do profissional
docente danifica seus aspectos físicos e
emocionais , e ele vai perdendo
condições de reagir favoravelmente as pressões do ambiente de trabalho.
Qualquer estímulo de
controle aversivo é recebido por ele como uma ameaça a sua estrutura
fragilizada e suas reações são cada vez mais prejudiciais a ele mesmo e ao
grupo.
Os principais sintomas
são: fadiga, cansaço constante, distúrbios do sono, dores musculares e de cabeça,
irritabilidade, alterações de humor e de memória, dificuldade de concentração,
falta de apetite, depressão e perda de iniciativa.
Essa combinação explosiva
pode levar ao alcoolismo, ao uso de drogas e ao suicídio.
Professores com síndrome
de Burnout ficam arredios, isolados, irônicos, cínicos e tem baixa
produtividade.
A doença não vai embora
sozinha, requer tratamento que pode ser psicológico ou psiquiátrico, ou a
utilização de uma metodologia adequada para que o professor se sinta
valorizado e respeitado.